FORÇA INVICTA BUSCA JUSTIÇA PARA O CASO DE RACISMO CONTRA A TENENTE EDNALDA GÓES
20 de março de 2023
Março é o mês de exaltação das mulheres por suas lutas em defesa da igualdade de gênero e pelo combate à violência, assim como das conquistas decorrentes dessas ações. Entretanto, para a oficiala da Polícia Militar da Bahia (PMBA), Tenente Ednalda Góes, mulheres pretas como ela carregam um fardo de lutas ainda maior ao terem que lidar com a questão de gênero e com o combate ao preconceito racial que insiste em colocá-las numa condição de inferioridade em razão da cor da pele.
De origem simples e ávida por fazer parte daquela instituição militar que a possibilitaria estar numa condição de vida mais digna e, assim, poder ajudar as pessoas do seu entorno e demais membros da sociedade que necessitassem sua proteção, desde cedo Ednalda de Abreu Góes entendeu o valor dos estudos para alcançar esses objetivos. Seu protagonismo se deu em 1990 quando, com apenas 23 anos, ingressou na PMBA para fazer parte da 1ª turma de mulheres da Corporação. “Sempre fui muito dedicada ao que me propunha a fazer e ingressar na Polícia Militar, para além do pioneirismo que significava para aquela época, foi a realização de um sonho. A missão de servir ao próximo se tornou um objetivo de vida”, relata orgulhosa a oficiala.
Mesmo dona de si e segura de suas decisões, um fato ocorrido no Carnaval desse ano a abalou emocionalmente, deixando-a demasiadamente fragilizada, entre um misto de raiva, indignação e tristeza. No primeiro dia do Carnaval de Salvador, enquanto trabalhava na segurança e em defesa dos direitos dos cidadãos presentes à festa momesca, a também cidadã, militar e associada da Força Invicta foi vítima de injúria racial por parte de uma foliã que deixava o camarote na madrugada do dia 16 de fevereiro, no circuito Barra-Ondina. A oficiala conta que era por volta das 4:30h quando três foliões vindos de um dos camarotes da região (e diga-se: visivelmente embriagados), acompanhados por dois seguranças, passaram pelo Posto Policial Integrado (PPI) do Morro do Gato, onde ela estava de serviço, e um deles deixou um copo com bebida alcóolica sobre a estrutura do local. “Eu o adverti para que retirasse aquele copo, mas embora ele relutasse, acabou seguindo o conselho de um dos seguranças que falou algo em seu ouvido. Contudo, uma mulher que fazia parte do grupo, não satisfeita com o ocorrido, veio em minha direção e questionou o porquê de eu estar falando com o seu acompanhante daquele jeito. Foi a partir dali que as ofensas racistas contra mim foram dirigidas”, relata a Tenente.
De acordo com a oficiala, os abusos dirigidos a ela passaram de “porque você está falando com ele assim?”, “eu sou advogada” e “eu sou bacharela” até ser chamada de “negrinha” pela foliã. “Quando ela virou para me dizer que era advogada e bacharela é como se eu, Ednalda, cidadã de Salvador, Tenente da Polícia Militar da Bahia e bacharela em Serviço Social, não tivesse tido acesso a um sistema de educação e pudesse ter nível superior como ela. Como se a pessoa que veste essa farda não conhecesse da legislação e seus direitos”, expõe a Tenente. “Confesso que na hora senti muita raiva por ter sido tratada daquela maneira e colocada numa condição de inferioridade pela cor da minha pele, mas hoje percebo que nós, mulheres pretas, ainda temos muito que caminhar e buscar nosso espaço, falar do que dói”.
Assim que a Força Invicta soube do caso, pela repercussão na imprensa, a entidade entrou em contato com a associada, prestando-lhe o apoio necessário que o caso requeria. “O departamento jurídico foi acionado e de pronto contatamos as advogadas Dra. Dominique Viana e a Dra. Bianca Barbosa que estão responsáveis pela representação judicial”, explica Igor Rocha, presidente da entidade. “A Tenente Ednalda Góes estava no cumprimento das suas atividades, à serviço das cidadãs e dos cidadãos baianos, assim como de turistas, foi desacatada e atacada por ofensas racistas. Não podemos tolerar nenhum tipo de violação aos direitos humanos. Enquanto entidade representativa faremos todos os esforços de enfrentamento a esse caso. O racismo é uma chaga social que precisa ser enfrentada e combatida diuturnamente”, aponta o gestor.
Durante o ocorrido, foi dada voz de prisão e a autora do crime foi conduzida à Central de Flagrantes, onde continuou com as ofensas de mesmo teor aos demais policiais. Ela passou por exame de corpo de delito e fora custodiada na Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra a Criança e o Adolescente (DERCCA). Em audiência de custódia, o representante do Ministério Público opinou pela concessão de liberdade provisória mediante arbitramento de fiança. “Eu não pude acreditar na decisão da Justiça quando li a sentença no dia seguinte. Fiquei decepcionada!”, aponta Ednalda que completa: “mas estou determinada a levar esse caso adiante para fazer com que situações desse tipo não voltem a acontecer”.
Uma rede de apoio, que conta com a participação da família da oficiala, de amigos, colegas da Corporação e Força Invicta, tem dado suporte a militar para enfrentar essa situação. “Eu passei a me sentir fortalecida com tantos acolhimentos que recebi. As pessoas têm se mostrado preocupadas e solidárias à causa. Precisamos estar imbuídos desse processo de mudança e transformação da sociedade com relação ao que se enxerga de nós, mulheres e homens pretos”.
O primeiro encontro na sede da Força Invicta para tratar do caso aconteceu com as presenças do presidente Igor Rocha, diretor jurídico Gilson Santiago, diretora social Marijane Messias e das advogadas Dra. Dominique Viana e a Dra. Bianca Barbosa, além da oficiala e associada vítima de racismo, Ten PM Ednalda Góes. A reunião também contou com a participação dos majores Silvio Rosário e Jalba Segundo, ambos integrantes do Grupo de Trabalho Permanente pela Igualdade Racial (GTPIR) – braço do Departamento de Promoção Social (DPS) da Polícia Militar, composto por oficiais de diversos departamentos da Corporação, incluindo o Instituto de Ensino e Pesquisa e a Corregedoria, e que possui caráter permanente de assessoramento, pesquisa e proposição de ações institucionais ligadas à questão racial no âmbito institucional e fora dele. “Precisamos potencializar nossas ações no tocante a compreender o policial também um sujeito de direitos. Nosso efetivo é majoritariamente negro [85,8%] e precisa ser protegido da ação mordaz do racismo”, revela o Major Silvio Rosário, coordenador do GTPIR.
O Major PM Jalba Segundo, coordenador adjunto do GTPIR e conselheiro deliberativo da Força Invicta, comentou sobre o primeiro acolhimento oferecido pela PMBA à vítima, por meio da Ronda Antirracista – uma iniciativa do DPS. “Já havia uma estrutura montada para o acolhimento de policiais que pudessem ser vítimas de racismo durante o Carnaval, através da Ronda Antirracista. Por coincidência, fui o primeiro oficial da ronda a ter contato com o informe da situação”, lembra o Major. Ele foi ao encontro da Tenente no posto em que ela estava prestando serviço e o acolhimento foi realizado de forma muito satisfatória, inclusive no dia seguinte com todo o suporte psicológico, jurídico e amparo oferecidos pela instituição através do coordenador Maj PM Silvio Rosário. O militar e conselheiro enfatizou a importância do trabalho conjunto de acolhimento à oficiala e destacou que houve reuniões e interlocuções em parceria com a Força Invicta para discutir a melhor forma de conduzir o caso juridicamente e em outras esferas. Ele afirmou que tanto a PM quanto a Força Invicta se utilizaram de todas as ferramentas possíveis para proporcionar o melhor tratamento e acolhimento à policial militar, que é uma associada da entidade. “O objetivo principal é garantir o bem-estar da vítima”, aponta.
Órgãos como o Ministério Público, a Defensoria Pública e as secretarias estaduais de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), da Igualdade Racial (SEPROMI), e de Políticas para as Mulheres (SPM), além da Secretaria de Segurança Pública (SSP), estão sendo procurados pela Força Invicta em apoio e adesão à causa da militar. “Queremos justiça para a Tenente Ednalda Góes”, destaca o presidente Igor Rocha.
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