MANIFESTO NACIONAL SOBRE A NOTÍCIA DA TENTATIVA DA EDIÇÃO DE PORTARIA VISANDO “CONTER” LETALIDADE POLICIAL

02 de outubro de 2024

As entidades de classe de âmbito nacional, subscritoras deste manifesto, vêm expor criticamente sua perplexidade com a notícia da possibilidade de edição de proposta do Ministério da Justiça e Segurança Pública, supostamente destinada a “disciplinar” o uso da força legal e da prerrogativa de executoriedade inerente ao poder de polícia em relação às Polícias Militares e Polícias Civis, condicionando o recebimento de repasses do Fundo Nacional de Segurança Pública à sua aplicação nos Estados.

Sendo verdadeira essa tentativa, tal iniciativa é impertinente e fora do contexto jurídico, pois ignora todo um conjunto de legislações consolidadas no ordenamento jurídico nacional e internacional (do qual o Brasil é signatário, como o Código dos Encarregados de Aplicação da Lei) a respeito da disciplina do uso da força pelos policiais de diferentes instituições, as quais mencionamos a título de esclarecimento:

– Lei n° 13.060/2014, de iniciativa do Senado Federal, que disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, em todo o território nacional, lei sancionada pela Presidente Dilma Rousseff, em vigor, portanto, há 10 anos, e lamentavelmente desconsiderada pelo próprio Ministério, que não a utilizou como fundamentação, bem como usurpou competência do Presidente da República,  pois essa lei estabelece no seu art. 7º a competência do Poder Executivo (e não do Ministério da Justiça e Segurança Pública) para regulamentar, classificar e disciplinar a utilização dos instrumentos não letais, tal como assim se expressa em seu artigo 7°:

“Art. 7º O Poder Executivo editará regulamento classificando e disciplinando a utilização dos instrumentos não letais.”

– Lei nº 14.735/2023, que institui a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis, dispõe sobre suas normas gerais de funcionamento e dá outras providências., no seu art. 4°, V e X; Art. 5º, XIV);

– Lei nº 14.751/2023 (Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e Bombeiros Militares, no seu artigo 4°, VII, XIV e Art. 30):

– Lei nº 13.675/2018 – que Disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7º do art. 144 da Constituição Federal; cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS); institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), em seu artigo 4°, IX:

“Art. 4º {…}

IX – Uso comedido e proporcional da força pelos agentes da segurança pública, pautado nos documentos internacionais de proteção aos direitos humanos de que o Brasil seja signatário;” (Redação dada pela Lei nº 14.751, de 2023)

– Inúmeros regulamentos das próprias instituições policiais que disciplinam o uso da força em diferentes métodos e doutrinas relativas ao uso progressivo, racional, escalonado e diferenciado de meios letais e de baixa letalidade.

– Portaria Interministerial 4.226/2010, expedida no segundo Governo Lula, que é a diretriz do governo federal que regulamenta o uso da força e de armas de fogo por agentes de segurança pública, atualmente em vigor.

​Assim, causa perplexidade, mais uma vez, a notícia da possibilidade da edição de ato normativo pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública de um tema importante e de impacto para a atividade policial, porém que sequer foi debatido no Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social – CONASPDS, integrado inclusive por ambas entidades de classe desde 2018.

Caso haja edição da portaria normativa idealizada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, tal ato infralegal acabaria por criar contradições e possíveis antinomias a todo arcabouço normativo já consolidado, gerando mais insegurança jurídica e institucional, além de incompatibilidades com leis em sentido estrito – obviamente de acordo com a ciência jurídica mais basilar superiores em hierarquia a qualquer portaria, que, vale ressaltar, não poderia sob qualquer argumento dispor sobre matéria privativa de lei ordinária ou de regulamento do Chefe do Poder Executivo, principalmente quando a matéria já está regulada em lei federal e atos normativos do próprio governo.

Ao mesmo tempo, atribuir a letalidade somente aos órgãos policiais e seus integrantes, ignorando a malha de violência e a estrutura de atuação do crime organizado nacional e transnacional, é uma visão míope do sistema de segurança pública e dos fatores que geram a violência. Um policial que atua na linha de frente no enfrentamento à criminalidade violenta se sente, neste contexto, como se estivesse em uma caótica partida de futebol, em que o árbitro que tenta disciplinar a partida é rigoroso somente com uma das equipes, deixando a outra sem regulação e livre para fazer aquilo que desejar. No contexto da segurança pública do Brasil, com este tipo de iniciativa mal planejada, já se sabe qual será o resultado e quem sairá como ganhador perante a sociedade: a criminalidade e os delinquentes, infelizmente favorecidos por um sistema que favorece a impunidade.

Mais uma vez concitamos o Ministério da Justiça e Segurança Pública que, antes de divulgar ou apresentar ato regulatório, qualquer minuta, ou proposta regulamentar, tenha respeito e consideração ao consultar com antecedência as entidades nacionais representativas dos órgãos e dos cargos diretamente envolvidos na temática da segurança pública e na disciplina da atividade policial sob qualquer eixo temático.

É o que esperamos, em prol da sociedade brasileira.

 

Brasília, 27 de setembro de 2024.

 

FENEME

Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais/DF

 ADEPOL DO BRASIL

Associação dos Delegados de Polícia do Brasil

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